Programa Libertar da Polícia Civil combate crimes sexuais contra crianças e adolescentes através de protocolo inovador
Em sala reservada, jovens se sentem encorajados a romper o silêncio e revelar os abusos sofridos
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Se para a maior parte das pessoas, o lugar do trabalho é dissociado de um sentido existencial ou de uma realização pessoal, na Polícia Civil gaúcha um programa institucional de prevenção e repressão de crimes sexuais contra crianças e adolescentes tem mobilizado agentes em uma outra perspectiva. Para a Diretora do Gabinete de Relações Institucionais e Comunicação Social (Grics) Eliana Lopes, e que responde também pela Divisão de Prevenção, Mediação, Justiça Restaurativa e Direitos Humanos (DPMJRDH), é extremamente importante reforçar que a Polícia Civil também é uma polícia preventiva, comunitária, que se importa com o próximo e quer conhecer suas dores. “Eu posso falar isso com propriedade, porque já trabalhei várias vezes no chão de fábrica. Sentir o abraço de um adolescente, perceber que ele passou a ver a figura do policial como uma referência, isso alimenta a alma, e faz com que a gente saiba que está no caminho certo”.
O entusiasmo da escrivã de polícia, Bianca Benemann de Almeida, e da comissária de polícia, Débora Prestes, ambas da equipe do Programa Libertar, deve-se ao protocolo de acolhimento imediato das vítimas, que as encoraja a romper o silêncio, e consequentemente, as retira do ciclo de violência. A responsável pela criação do projeto, Bianca Benemann de Almeida, conta que o Libertar nasceu após ela presenciar diversas vezes a dor de vítimas de violência sexual, e a maneira como elas ainda eram submetidas ao medo e ao segredo por parte de seus abusadores. “É um programa que busca encorajar os jovens a romperem o silêncio, a mostrar que eles nada colaboram para esse evento criminoso”.
No início, em 2023, era um projeto de caráter preventivo constituído apenas pela palestra. Quando Bianca terminava sua fala, as vítimas a interpelavam para relatar casos de abuso. “Foi quando percebi que não poderia ser somente um programa preventivo. Aquele adolescente estava confiando em mim, eu era a única e última esperança dele”. Este foi o ponto de virada, de criação do protocolo do Libertar, quando o projeto passou a se constituir em um programa, lançado em abril desse ano.
Como funciona
A dinâmica do trabalho consiste em uma palestra preventiva com duração de 45 minutos efetuada por um policial civil em escolas (públicas e privadas) para crianças e adolescentes acima de 10 anos de idade, ocasião em que são informadas as técnicas mais modernas de atuação de criminosos virtuais e reais, municiando-as com o conhecimento necessário para sua proteção. Depois, a instituição de ensino fornece uma sala privativa, que garanta o sigilo das vítimas e as deixem à vontade para conversar com policial de forma individual. A vítima se sente fortalecida, e ali revela as agruras que vem passando. É neste momento que muitos alunos acabam por revelar espontaneamente os crimes sexuais que estão sofrendo, ou já sofreram. Caso o jovem esteja em risco imediato, já são tomadas providências emergenciais, como encaminhamentos médicos e periciais, conforme o caso; nas demais situações, é feito o registro de ocorrência para instauração de Inquérito Policial.
Para solicitar a presença do Programa, a escola interessada deve acessar o formulário na página no Instagram Programa Libertar. Observa-se que a demanda tem sido cada vez maior e a Polícia Civil vem providenciando capacitações de novos policiais para que continuem esse trabalho de libertação do ciclo de violência. Desde 2023, o Libertar ofereceu mais de 200 palestras - só em agosto deste ano, o público chegou a três mil jovens. Também no mês de agosto, foram feitos 16 registros de ocorrência, com duas medidas protetivas deferidas, e retirada imediata do ciclo de violência. “É um programa inovador no Brasil, o primeiro institucional de caráter repressivo, além de preventivo”, diz a Escrivã Bianca.
Segundo Débora Prestes, que em 2024 foi convidada a integrar a equipe do Libertar, a sala reservada onde alunos fazem fila para conversar com a polícia a impactou de imediato no programa. “Esta foi uma grande novidade para mim: jovens falando sobre a situação que estão vivendo, sentindo confiança de que a polícia efetivamente vai fazer alguma coisa”. A revelação espontânea das crianças e dos adolescentes, prevista em lei, torna-se ali uma escuta especializada. De posse deste material, o policial retorna para a delegacia, e pesquisa os dados do suspeito para fazer a ocorrência. “É a polícia fazendo a sua atribuição de trazer a notícia para que seja investigada”. De acordo com Débora, esta escuta é uma oportunidade profissional de realmente fazer a diferença na vida das pessoas. “Sabemos que, após a revelação daquele jovem, não iremos descansar enquanto não identificarmos o agressor. Quando preparamos a ocorrência para a delegacia de destino, responsável pela investigação do caso, procuramos fazê-la o mais completa possível para que o colega também se sensibilize com o relato”.
Trabalho coletivo
O rompimento do ciclo de silêncio tem também um aspecto coletivo uma vez que a vítima, quando tem coragem de denunciar, não está apenas protegendo a si mesma. “Nunca é apenas uma pessoa só a sofrer abuso. No momento que o autor é identificado, acabamos também com uma sucessão de crimes, protegemos as vítimas que virão após, e encorajamos também as que vieram antes a relatar”, diz Bianca.
Para Débora, este não é apenas um dever do policial. “Todos que têm contato com crianças e adolescentes devem protegê-los: professores, conselheiros, motoristas, funcionários de escola. É uma forma de realmente mobilizar a sociedade para olhar o que está acontecendo”.
A Diretora Eliana Lopes finaliza dizendo que o Libertar é um programa muito completo, pois ele engloba prevenção, informação, acolhimento e repressão com a devida identificação e punição do agressor ou abusador. Com o programa Libertar, o espaço entre o policial e a vítima torna-se cada vez menor, aproximando a instituição de seu dever maior. Ao estar presente nas escolas, e viabilizar encontros e conversas com vítimas de abusos sexuais, a Polícia possibilita, sobretudo, que estas crianças e adolescentes sejam acolhidos e creditados em sua palavra.


